sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

6º. Concurso Contos do Tejuco - resultado


A L A M I

Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba.

alamiacademia@yahoo.com.br

6º. Concurso Contos do Tejuco

“Jair Humberto Rosa”

2011.

Resultado:

Conto premiado –

* Sede

Autor - Caio Flávio Oliveira de Oliveira – São Gabriel – RS.

Contos Selecionados:

* Do outro lado da vidraça

Autor – Denivaldo Piaia – Campinas – SP.

* O dia em que Aristófanes tentou ser herói

Autor – Elroucian Ucayali Santos da Mota – Porto Alegre – RS.

* Átila, o Destruidor.

Autor – Gabriel Francisco de Mattos – Cuiabá – Mato Grosso

* Pé de meia na janela

Autor – Geraldo Trombin – Americana – SP

* A morte do poeta

Autor – Gilberto Garcia da Silva – Goio-Erê - Paraná

* Olhos Tristes

Autora – Giovanna Artigiane – Campinas – SP

* Vós pouco dais...

Maria Apparecida S. Coquemala – Itararé – SP

* INsensibilidade

Neusa Marques Palis – Pirangi – SP

* Maria Fumaça e Tronquilos na Praça

Autor – Schleiden Nunes Pimenta – Campinas - SP

- aguardem publicação do conto premiado.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Resenha vencedora


5º. Concurso de Resenhas
"André Kondo"

A ALAMI - Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba -
promove o 5º. Concurso de Resenhas que, nesta edição, homenageia
o autor André Kondo.
Trata-se de uma atividade que visa o incentivo à leitura e à
produção de resenhas críticas em língua portuguesa.

1 - O objeto à ser resenhado é "O origami", de André Kondo, conto premiado
no 5º. Concurso Contos do Tejuco "Maria Adelina V. C. e Gomes",
promovida pela ALAMI. O conto está disponível no site da Academia, no link: http//www.alami.xpg.com.br/origami.html. e, tambem, nesse blog.

O vencedor desse 5º. Concurso de Resenhas é o brilhante e multipremiado escritor Roque Aloisio Weschenfelder, nascido na cidade de Santo Cristo - RS, com residencia em Santa Rosa - RS.
O escritor Roque Aloisio é professor de línguas e literatura, autor dos livros"Mundo de impressões" (poesia), "A Borboleta Brilhante" (infantil) e "O ouro dos Dias" ( coletânea de textos premiados em Concursos Literários. É colunista do site www.gostodeler.com.br.
O professor Roque Aloisio foi vencedor, tambem, do 4º. Concurso de Resenhas da ALAMI em 2010.

RESENHA VENCEDORA:



ELETROCARDIOGRAMA

“O origami” de André Kondo é um conto composto de três partes distintas, mas interligadas pelo fio dos pássaros de papel. Linguagem acessível para o leitor com diálogos pertinentes e oportunos, sequência em linha curva no tempo parecendo gráfico de eletrocardiograma do narrador.

Desde o início a personagem Masao é mostrada em toda uma densidade, ou seja, maldade, como poderia pensar o leitor desavisado, uma vez que pena de morte é um prêmio valioso demais para um criminoso, assassino do genro e da filha e até atentado contra a vida da netinha, como narram os segundo e terceiro parágrafos. Masao é descrito como um homem cruel que chutava cães, atirava pedras em pássaros, inclusive no sagrado tsuru, um símbolo nacional, repelia a companhia de qualquer ser vivo. As descrições na primeira parte do conto servem para justificar o senso comum, reunido no bar.

O senso comum pode estar bêbado, porém sabe condenar, à vida miserável dos mais abjetos adjetivos, a alguém para quem a morte seria algo brando demais. O saquê, potente bebida alcoólica, move menos os pensamentos, todavia desloca palavras carregadas e inquiridoras que batem umas nas outras na perseguição de razões para as imbecilidades de Masao.

De repente a narrativa dá uma guinada. Um forasteiro, que se apresenta como conhecido do vilão se intromete nas discussões embriagadas. A tudo que afirma as bocas do “saquê quente” retrucam com desprezo e desdém. Quando finalmente pôde falar informou que Masao quase matou o próprio pai, mas remendou que isso iria acontecer para defender a mãe do pai bêbado – ele seguidamente agredia a mãe de Masao e um dia a matou sem que o filho o pudesse impedir. Nunca se perdoou, odiou o pai para sempre e a si mesmo por esse ódio voraz. O forasteiro inquire aos presentes se também já não cometeram injustiças por influência da bebida. Atinge a consciência da maioria deles. Pergunta ainda se algum deles já tentou se aproximar de Masao. Recebe como resposta a justificativa de que ele aceita ninguém. O homem acrescenta que todos nós temos uma força grande para transformar a vida das outras pessoas. No tempo em que falava dobrava um origami em tsuru de papel, depois em sapo e novamente em tsuru. No final desamassa o papel e sai.

O conto entra na segunda parte com a visita do forasteiro a casa onde mora Naomi, a netinha de Masao. Fala com ela e ensina-lhe, a pedido dela, como fazer tsurus. Explica-lhe que quem faz mil tsurus tem direito a um pedido. O narrador revela que o forasteiro é o irmão mais novo de Masao, tio-avô de Naomi.

A genialidade de André Kondo se mostra em toda a plenitude quando o narrador inicia a terceira parte do conto. Inicialmente Masao refuta a visita do irmão na prisão. O leitor surpreende-se ao saber que o mal falado criminoso apenas assumiu o papel de assassino. A revelação de que o genro de Masao envenenou a esposa e a filha e depois se suicidou, tendo Naomi, milagrosamente, sobrevivido, mostra uma técnica narrativa digna dos grandes mestres no gênero do conto. Masao apresentara-se como o assassino, querendo que Naomi nunca tivesse de sentir o ódio ao pai que ele mesmo vivera. Kondo sabe ser sublime quando faz Naomi falar com Masao chamando o de Ditchan (vovozinho). E acentua toda sua sensibilidade ao descrever o diálogo entre as duas personagens e a entrega de mil tsurus de papel alinhados em vários cordões. A revelação de que fez o pedido permitido por fazer mil tsurus, e este pedido ser para Masao se tornar uma pessoa boa, mostra como a dureza dos pré-julgamentos pode ter um oposto, a leveza das ideias de uma criança a dar asas a tsurus de papel e à alma de um homem na miséria existencial.

A leitura de “O origami” remete aos dramas que os vícios podem provocar nas pessoas, às tragédias que álcool e ciúme desencadeiam, ao ódio a que o coração se submete e à esperança que um simples gesto inocente de bondade consegue restabelecer. A trama simples, porém imprevisível, mostra a capacidade do autor de sustentar o interesse do leitor e de até comovê-lo.

Um conto bem escrito como este de André Kondo tem a capacidade, não somente de prender o leitor do início ao final, como sabe surpreender a tal ponto que ele se sinta enganado, mas feliz com esse engano.

“O origami” candidata-se a figurar entre os melhores contos escritos no século XXI e não fica devendo aos expoentes dos criadores de narrativas curtas.

Roque Aloisio Weschenfelder

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Origami





O Origami, conto de André Telucazu Kondo,
vencedor do 5º. Concurso Contos do Tejuco
"Maria Adelina V. Cardoso e Gomes",
promovido pela ALAMI
- Academia de Letras Artes e Música de Ituiutaba.


Conto vencedor do
5.º Concurso Contos do Tijuco
Maria Adelina VieiraCardoso e Gomes



O origami
Autor: André Kondo

Não havia pessoa que não odiasse Masao em todo a Kushiro. Foi um alívio quando ele foi trancafiado em uma prisão e jogado em um canto esquecido da fria ilha de Hokkaido. Diziam que ele não merecia a pena de morte, porque a morte seria um presente demasiado generoso para um homem como ele. O que Masao merecia era sentir o frio penetrar em cada poro da sua gélida existência, até que seu coração congelasse a tal ponto, que se despedaçaria em milhares de farpas de gelo, que o rasgariam de dentro para fora.
Masao não tinha atenuantes para amenizar o duro julgamento popular. Sempre havia sido um homem detestável. Não gostava da companhia de pessoa alguma, sempre expulsando quem quer que fosse do seu convívio. Chutava os cães que cruzavam o seu caminho e jogava pedras nos pássaros. Inclusive no sagrado tsuru. Tentar matar a pedradas um inocente pássaro como o grou japonês, cuja crença lhe dá mil anos de vida, era um feito que coroava a sua maldade. Mas não foi por isso que ele foi preso...
Que pena deveria ser aplicada a quem mata o genro? Com certeza, um assassinato é um ato de maldade, mas e o assassinato de uma filha, o que é? Não há palavras que possam expressar o horror de um pai que mata a própria filha. Como último golpe, para que não restasse sombra de dúvida sobre a irrefutável maldade no coração de Masao, ele ainda tentou matar a pequena Naomi, sua netinha — uma inocente criança. Haveria alguma razão para perdoá-lo?
Nos bares de Kushiro, o assunto não poderia ser outro senão o famigerado Masao. Entre um gole de saquê quente e outro, cada um cuspia uma sentença para o demônio, em uma competição que tentava estabelecer a mais cruel das punições. Foi assim que, por mais estranho que pareça, o veredicto com a mais sádica das sentenças o condenava à vida. Deveria ser horrível viver assim, com um coração de monstro, suportando o veneno que circula pelo corpo, o gelo do coração, os tormentos da alma, a absoluta solidão. Viver sedento, sem uma única gota de bondade, deveria ser, de fato, a pior das punições.
Estabelecida a pena a cumprir, restava agora racionalizar o irracional. Entender os motivos do crime. O homem sempre busca respostas, até no mais escuro dos caminhos. Masao era um homem execrável, isso não era novidade, mas o que o teria motivado a se tornar um assassino? Tentar matar animais era uma coisa, mas pessoas? Pior ainda quando se tratava do próprio sangue. Assim, rodada após rodada de saquê, verificava-se as teorias mais absurdas, pois absurdo havia sido o crime.
Um forasteiro, que em silêncio dobrava um origami em um canto escuro do bar, manifestou-se pela primeira vez, tentando decifrar o enigma:
— Eu nasci no mesmo vilarejo que Masao, por isso eu sei de algo que talvez vocês desconheçam...
O bar, até então mergulhado em acaloradas discussões, esfriou em repentino silêncio. O forasteiro continuou a dobrar o papel e só parou quando deu asas a um tsuru. Diante do inusitado da situação, alguém se lembrou de perguntar:
— Quem é você?
— Sou um velho amigo de Masao — respondeu tranquilamente o forasteiro.
— Amigo? Desde quando aquele miserável tem amigos? — alguém duvidou.
— Se é mesmo amigo de Masao, você não é bem-vindo aqui — peitou outro.
Foi o início de uma nova rodada de discussões, acompanhadas pelo forasteiro com a mais absoluta indiferença. Enquanto isso, ele desdobrava calmamente o origami.
— Esperem! Silêncio! Que importa se este homem é amigo ou não do maldito Masao? O que importa agora é que ele sabe de algo que nós estamos curiosos em descobrir. Portanto, vamos ouvi-lo — disse o dono do bar, tomando o controle da situação.
— A vida de um homem é como uma folha de papel dobrada pela mão do destino – disse o estranho, redobrando o mesmo papel, agora, na forma de um sapo.
— Ora! Não me venha com tolices. Você conhece ou não o assassino?
— Se Masao é assassino, eu não sei. Não o conheci sob essa forma.
— Pois duvida? Se ele mesmo confessou, se apresentando ao juiz e declarando-se culpado? — desafiou um dos homens.
— Se não estão dispostos a ouvir o que tenho a dizer, devo me retirar agora...
— Não, espere! Diga o que sabe. Não iremos interferir, mesmo que o que tenha a nos contar nos aborreça. Ao menos, até que você termine a sua história...
— Masao quase matou o próprio pai... — começou o forasteiro.
— Estávamos certos! Desde o berço esse maldito era um oni, um diabo! Que mais se pode falar de um parricida?
— Eu disse que ele quase matou... ao tentar defender a mãe. Pois que o pai de Masao era um bêbado que o espancava todos os dias. Isso, Masao podia suportar, mas não suportava vê-lo agredir a mãe.
— Está tentando justificar a maldade de Masao com uma infância infeliz? — desdenhou alguém.
— Cale a boca e deixe o homem terminar. Depois discutiremos a questão, por ora, vamos ouvir — intercedeu novamente o dono do bar.
Acariciando o sapo de papel, o forasteiro continuou:
— Um dia, o inevitável aconteceu. Embriagado, o pai de Masao... matou a esposa. Foi nesse dia que Masao tentou matar o pai, para tentar defender a mãe, mas ele não conseguiu. Desde esse dia, ele nunca se perdoou. Odiou o pai pelo resto da vida e odiou ainda mais a si próprio por odiar o pai.
— Até eu odiaria meu pai, que há de mal nisso?
— Quantos de vocês, quando bêbados, já perderam o rumo? Quantos se desdobraram em atos inconsequentes, ofendendo quem amam nestes momentos de embriaguez? — o forasteiro esmagou o sapo de papel em suas mãos.
No bar, houve grande silêncio. Muitos já haviam cometido atos vergonhosos sob a influência do saquê.
— Não estou justificando nenhum crime, apenas estou dizendo que quando um homem escolhe um destino infeliz, vê a sua vida se desdobrar em uma existência ruim. Quantos de vocês, que um dia conheceram o velho Masao, tentaram se aproximar dele? Quem lhe ofereceu a mão?
— Mas ele não gostava de ninguém! Era um homem solitário por culpa dele mesmo — a justificativa era geral.
— Vocês estão certos. Foi ele mesmo quem se dobrou em um ser indesejado. Mas saibam que todos nós temos um poder muito grande em nossas mãos. Um poder de transformar a vida de outras pessoas. Não digo que moldamos o destino delas, mas, com certeza, temos participação em alguns contornos... Acredito que nós ajudamos a dar forma à vida de todos os que convivem conosco – o forasteiro desamassou o papel e o redobrou em um tsuru, que como o seu criador, bateu asas e dali partiu.
O bar ficou em silêncio por alguns minutos, até que alguém perguntou:
— Quem era mesmo aquele homem?
O forasteiro bateu à porta de uma casa de madeira. Ele havia chegado àquele endereço seguindo as notícias sobre os assassinatos. Uma senhora atendeu, o forasteiro se identificou.
— Naomi, seu tio-avô chegou.
A menina se esgueirou tímida, escondendo-se por trás das pernas da vizinha. Ainda não compreendia tudo o que havia se passado, e nunca haveria explicação para o horror da morte dos pais. O forasteiro disse:
— Naomi, minha querida. Sei que você não me conhece ainda e talvez nem queira conhecer, mas eu sou a sua família — dizendo isso, entregou o pássaro de papel para a menina.
Naomi pegou o tsuru, curiosa. Mesmo assustada, ela ainda assim era uma criança. Brincando com o pássaro de papel, Naomi perguntou:
— Foi o senhor quem fez?
— Sim, eu mesmo!
— O senhor me ensina a fazer mais um? Não quero que ele fique sozinho...
— Sim, Naomi... Ele não vai ficar sozinho... Naomi sorriu. No decorrer de um ano, a pequena menina já havia feito mil tsurus! Segundo a tradição, quem consegue fazer mil tsurus tem direito a fazer um pedido. Que pedido uma menina poderia ter?
— Tem certeza, Naomi?Sim, ela tinha certeza. Junto com o irmão de Masao, a pequena Naomi foi à prisão, visitar o avô, a quem ela nunca havia conhecido. Infelizmente, Masao não queria ver ninguém. Seu irmão intercedeu, tentando convencê-lo:
— Por que fez isso, Masao?
— Agora, já não faz mais diferença. Que importa o motivo do assassinato...
— O motivo que levou o seu genro a matar a sua filha não vem ao caso agora...
Muitos e muitos anos já haviam se passado, desde a última vez em que se viram. Mas mesmo depois de tanto tempo, Masao ainda não conseguia esconder nada do seu irmão mais novo. Lembrou-se da última vez em que o vira, antes de se isolar de todos. Naquela ocasião, Masao havia brigado feio com a filha e a esposa, o que causou a sua separação. O motivo era porque a filha queria se casar com um homem que se mostrava amável com todos, principalmente com a sogra, que aprovava a união. Infelizmente, apesar de todas as suas qualidades, ele tinha um grande defeito. Um defeito que Masao logo reconheceu, pois era o mesmo de seu pai — o ciúme doentio. O ciúme que leva primeiro à embriaguez do corpo, depois, da alma. Com certeza, assim como o pai de Masao amava a sua mãe, o novo genro amava a sua filha. O problema é que o ciúme exacerbado tende a massacrar o amor, e foi por infundado e insano ciúme que o genro resolveu envenenar a esposa e a filha, antes de se suicidar. Por milagre, a menina sobreviveu.
— Eu não queria que Naomi crescesse com o mesmo ódio com que eu cresci. O ódio ao meu pai me destruiu como pessoa e me levou por caminhos dos quais me envergonho profundamente. Pensei que enterraria esse ódio com o meu pai, mas eu o levei comigo. Tornei-me uma pessoa amarga, com uma vida amarga. Não pude enterrar minha esposa, pois havia me afastado tanto dela que seria o mesmo que ir ao funeral de uma desconhecida. Não fiz as pazes com a minha filha e não vi a minha neta crescer. Também me afastei de você, meu irmão. O ódio foi o meu único companheiro e continua sendo até hoje... Minha neta não merecia o mesmo destino que o meu.
— Masao, você continua o mesmo de sempre. O mesmo Masao que me defendia quando nosso pai voltava embriagado. Quantas vezes você se interpôs, me protegendo com seu corpo e levando a surra em meu lugar? Novamente, você lançou seu corpo ao castigo para defender outra pessoa. Não compreendo por que você se condena a este infeliz destino.
— Deixe-me agora. Sou eu quem não entendo por que você trouxe Naomi aqui. Sei que ela deve me odiar por ter matado os seus pais. Eu posso suportar tudo, a prisão e a solidão, mas não sei se poderei suportar o olhar de Naomi me condenando.
— Masao, por favor...
— Eu não a quis conhecer antes e muito menos quero agora...
— Masao, eu sei que você sempre a quis conhecer.
— Ora, que quer que eu faça? Estou preso aqui, que adianta conhecê-la agora? É tarde demais...
Nesse instante, uma menina adentrou no pequeno cubículo em que se dava a reunião entre os irmãos. Masao se contorceu, escondendo o rosto com as mãos, envergonhado de ser visto naquela situação.
— Ditchan...
Foi a primeira vez que Masao ouviu aquela palavra: ditchan. Por mais que estivesse envergonhado, não pôde deixar que suas mãos caíssem para que ele pudesse ver a menina que o chamava de vovozinho. Naquele instante, o seu coração voltou a bater.
— Ditchan... Todo mundo me disse que o senhor é muito mau.
A respiração de Masao ficou suspensa. Não conseguia respirar. Era agora que a menina iria lhe dizer que o odiava. O que ele não compreendia era por que o irmão a havia trazido até ali. Mas se era inevitável, que o golpe viesse rápido e que tudo acabasse ali, naquele instante.
— Sim, é verdade. Sou um homem muito mau.
A menina carregava, em suas mãozinhas, cordões entrelaçados com mil tsurus de papel, que estendeu ao avô.
— Vovô, eu fiz esses tsurus para o senhor...
— Por quê?
— Vovô, o senhor sabia que quem consegue fazer mil tsurus pode fazer um pedido?
— Isso é besteira — disse Masao, agindo como de costume, afastando as pessoas que eram gentis com ele, apenas pelo fato de pensar que não merecia o amor delas.
— Não é não — respondeu Naomi — O meu pedido foi atendido...
— O que você pediu? — perguntou Masao, incrédulo.
— Eu pedi para que o senhor se tornasse uma pessoa boa... E eu sei que o senhor é uma pessoa boa agora, porque eu sinto isso aqui – disse Naomi, com a mão no peito.
Ironia dos desdobramentos da vida: preso como estava, pela primeira vez, Masao sentiu-se livre. A menina Naomi, dobrando mil pássaros de papel, conseguiu dar nova forma à vida de Masao, que após um longo tempo caído no chão, voou feliz, com as asas de sua neta.
* * * * *

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Discurso. Whisner Fraga

Discurso proferido no dia 10 de fevereiro de 2011, por Whisner Fraga, paraninfo da turma de Formandos em Tecnologia de Fabricação Mecânica, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.

Boas vindas a todos e a todas.
Queridos formandos, queridas formandas,

Quando me convidaram para ser paraninfo desta turma, fiquei aflito. Eu não sabia ainda o significado real de tal distinção, as implicações, as responsabilidades, as atribuições, as regalias. Devia aprender urgentemente algo sobre esta homenagem. Assim, comecei a pesquisar. Descobri que o termo veio do grego paránymphos, que originariamente era utilizado para designar aquele que ia buscar a noiva em sua casa, para guiá-la até o local onde se realizaria o casamento. Esta pessoa que conduzia a noiva era o melhor amigo do noivo e estava ali para proteger a nubente e também para ajudá-la no que necessitasse. Mais tarde, as universidades começaram a adotar o termo para denominar o indivíduo que ficava na entrada da sala, fazendo propaganda do curso. Hoje, o dicionário Aulete digital define paraninfo como:
1 Pessoa homenageada por uma turma de formandos como seu padrinho ou patrono e que na cerimônia de colação de grau os saúda.
2 Sentido Figurado. Patrono, protetor.
Quero destacar três palavras citadas até aqui: amigo, padrinho e protetor.
Escutei incontáveis vezes pelos corredores das escolas por onde passei, que aluno e professor não podem ser amigos, pois há clara incompatibilidade de interesses. Não tenho receio nem vergonha de afirmar perante todos aqui que fui amigo de quase todos os alunos para quem lecionei e que continuo a ser amigo de muitos até hoje.
Colegas professores argumentavam que se nos tornássemos amigos de nossos alunos, perderíamos a autoridade. Contraponho com um exemplo simples: pergunto aos pais aqui presentes se perdem a autoridade ao ser amigos de seus filhos. Porque, se julgarem que sim, terão de deixar de conversar com eles, terão de parar de aconselhá-los, de chamar sua atenção por um erro, não poderão mais ser rígidos ao educá-los. Por que não é isso que um amigo faz? Conversa, aconselha, chama a atenção, é rígido quando necessário, aponta falhas, faz críticas, acompanha, ajuda? É preciso discernir autoridade de autoritarismo. Autoridade se consegue com respeito mútuo e só pode ser alcançada entre iguais – um pai de verdade não se considera maior do que seu filho – enquanto o autoritarismo é obtido com relações de poder e arbitrariedade.
Durante os anos que acompanhei esta Turma de formandos do curso de Tecnologia em Fabricação Mecânica, além de discutir o conteúdo pertinente a disciplina, eu também fui amigo – dialoguei, aconselhei, puxei orelhas, fui rígido. E também ouvi, pois meus amigos descobriram várias falhas em mim.
Nesta turma de formandos, há ocupantes de cargos relevantes em indústrias, há empreendedores, há selecionados em programas de mestrado nas mais conceituadas instituições de pesquisa do país. Então, quero lhes dar um conselho – vocês todos lidam com outros seres humanos – patrões, empregados, orientadores, sócios, colegas de trabalho, familiares. O que lhes peço é que tentem enxergar todas essas criaturas com o olhar da condescendência, da compreensão e da amizade. Porque se procurarem inimigos em seus relacionamentos, inimigos encontrarão. Esse fardo no qual às vezes a vida se transforma não seria mais leve se a sociedade fosse composta unicamente por amigos? Eu tenho certeza que sim, pois tenho a prova disso. Quando iniciei o exercício da docência, vasculhava o semblante amedrontado de meus alunos em busca do ponto mais vulnerável de cada um, para que pudesse me aproveitar dessa fragilidade e atocaiar um a um, legitimando, dessa forma, o meu poder. Então, me deparava com mágoa, revolta, insatisfação e retornava para casa sempre triste, frustrado. Ora, acreditava e ainda acredito firmemente que nossa missão aqui é alcançar a felicidade, a paz, a serenidade e depois aprender a mantê-las por perto. Algo estava errado, portanto, e descobri que o errado era eu, eu e meu espírito belicoso, que queríamos guerra a todo o momento. Não me imitem: sejam pacientes, compreensivos, aposentem suas armas.
Há uma frase atribuída ao escritor norte-americano Ralph Emerson, da qual gosto muito e, para terminar a minha fala, gostaria de compartilhá-la com vocês:
De cada minuto em que nos encontramos nervosos, chateados, estamos perdendo sessenta segundos de alegria.
Sejam felizes!
Muito obrigado.

- Whisner Fraga é Acadêmico da ALAMI - fundador da Cadeira 58 - Patrono: Fernando Sabino. -

domingo, 6 de fevereiro de 2011

MEU PATRONO

MEU PATRONO
Recebeu o Premio Mérito Cultural 2010 como o melhor discurso do ano
concedido pela Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba.

Meu patrono

Marco Túlio Faissol Tannús

Discurso de posse na Academia de Letras Artes e Música de Ituiutaba --- ALAMI.
Ituiutaba, 20/08/2010

Meu coração bateu forte quando soube de minha aceitação como membro da Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba, a ALAMI. Não pensei que seria assim. Mas as pernas bambearam e as mãos tremeram.

Por que somos tão fracos e tolos? Não sou tolo. Não somos tolos. Tolo de mim se acreditasse que esta honra com que hoje me cumulam não seria o que verdadeiramente é: voto de confiança e chamado à responsabilidade.

Voto de confiança pela antevisão do que, sinceramente, não sou, mas, por isso mesmo, posso vir a tornar-me. Voto de confiança porque, pouco me conhecendo, crêem ver em mim alguma esperança para as letras. Voto de confiança porque os que em breve tratar-me-ão por colega, são, antes de tudo, uns crédulos.

Crédulos e ingênuos, benevolentes e amigos. Mas rigorosos por desejarem maior a minha responsabilidade de aprimorar a escrita, de escolher melhor as palavras, de atentar bem menos contra nossa língua mãe. A última flor do lácio, inculta e bela, a um só tempo, esplendor e sepultura.

Se Bilac é excessivo, sempre belo é ouvi-lo.

Mas coube a mim escolher um patrono. E dele falar. Justificar porque é, para mim importante, sendo importante, também, para a arte a que, presume-se, me entrego.

Vacilei, titubeei, tergiversei, amarelei. Quem seria meu patrono?

Cheguei a pensar em uma figura controversa, para causar algum frisson. O calmo Ênio ouviu-me as intenções com um semblante absolutamente impassível. Ruminante, até.
E fez-me perceber, sem que uma só palavra dissesse, que casa de amigos não se escandaliza, preserva-se.

Mas quem? Quem seria meu patrono?

Cogitei Fernando Sabino: mestre dos contos e crônicas. Aqulele escritor que me acompanha desde a mais tenra idade. Que me fez emocionar com o encontro marcado e me fez delirar com as aventuras de Viramundo.

Porém, Sabino não seria, porque outro, antes de mim o capturara. Shame on him.

Seria Rubem Braga, o senhor das crônicas? Não. Não se fica à vontade ao lado de reis.

Até que Drummond veio-me à mente . O Carlos dos contos de aprendiz. O Carlos das poesias simples e magras como ele. O Carlos da sublime emoção contida.

Ele também é rei. Não se fica à vontade ao lado de reis. Mas há, na sua obra, um que de pé no chão, de elegância simples que nos deixa à vontade como na casa de avós.

Cabe a mim apresentá-lo. Não sei se tolice, ou arrogância. Para apresentar Drummond, basta lê-lo.

Todavia, para não fugir à minha responsabilidade, eis aqui o que consegui mal traduzir da minha grande admiração por esse poeta da vida quotidiana.

Quem é o meu patrono?

Sujeito magro e longe de mim,
que como eu usa óculos
e no topo do coco cultiva uma calva.
Tão perto e tão longe,
mais longe que perto.

Quem é meu patrono?

Que não me conhece,
mas conhece os homens,
as mulheres conhece,
conhece essa terra.
Conhece Minas
pois dela perdeu-se.

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
E agora, José?

Quem é meu patrono?

Esse homem sereno que espera
na beira do mar de Copacabana.
Roubam-lhe os óculos dia após dia,
mas mesmo sem eles enxerga o mundo
com total perfeição.
Enxerga o mar nos olhos da amante,
enxerga pernas e braços,
bigodes e óculos perdidos no bonde.
Não sei se é José,
ou Raimundo.
Não sei se é apenas rima,
ou se seria solução.

Só sei que quando nasceu, um anjo torto,
desses que vivem na sombra,
disse-lhe: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.

Quem é meu patrono?

Que fala dos povos,
que fala dos Turcos que Turcos não são.

São Sírios oprimidos por Turcos cruéis.
Que são em Minas e vendem a seda
e a visão de Paris por uns poucos mil-réis.

Quem é meu patrono?

Que tece destinos,
que mistura destinos,
que vive destinos.
Que conta histórias de encontros
e descaminhos.

Que fala de João,
que amava Tereza,
que amava Raimundo,
que amava Maria,
que amava Joaquim,
qua amava Lili,
que não amava ninguém,
mas casou-se com J. Pinto Fernandes,
que não tinha, ainda, entrado na história.


Quem é meu patrono?

Que faz troça com a cidade
e com seus moradores.
Amontoados de carne e ossos
que não vivem, habitam.

As famílias se fecham
em células estanques.

O elevador sem ternura
expele, absorve
num ranger monótono
substância humana.

Entretanto há muito
se acabaram os homens.
Ficaram apenas
tristes moradores.

Quem é meu patrono?

Senão quem cria e inventa
novos termos e novas palavras.
Que inventa e cria novas definições
para palavras antigas.
Que junta palavras num baile
de infinita simplicidade.
Que chove sobre nós nossa lenta agonia.

A chuva me irritava. Até que um dia
descobri que maria é que chovia.

A chuva era maria. E cada pingo
de maria ensopava o meu domingo.

Eu era todo barro, sem verdura...
maria, chuvosíssima criatura!

Não me chovas, maria, mais que o justo
chuvisco de um momento, apenas susto.

Não me inundes de teu líquido plama,
não sejas tão aquático fantasma!

Eu lhe dizia --- em vão --- pois que maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.

E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,

que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.

Chuvadeira maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedoinha!

Eu lhe gritava: Pára! E ela, chovendo,
poços d'água gelada ia tecendo.

Choveu tanto maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa

e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.

E quanto mais as ondas me levavam,
as fontes de maria mais chuvavam,

e era o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.

Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d'água mais deliram,

e maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.

Os navio soçobram. Continentes
já submergem com todos os viventes,

e maria chovendo. Eis que a essa altura,
delida e fluida a humana enfibratura,

e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,

e Deus, piedoso e enérgico, bradou,
Não chove mais, maria! --- e ela parou.


Quem é meu patrono?

Meu patrono não deseja fugir.
No máximo, quer voltar a Itabira.
Quem quer fugir é o Bandeira,
que brada com os pulmões que lhe restam:

Vou-me embora pra Passárgada,
pois lá sou amigo do rei.
Terei as mulheres que quero,
na cama que escolherei.

Meu patrono é gente.
É sincero, verdadeiro.
Mas não é o Fernando Pessoa
que crê que

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chegua a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

Meu patrono é cantor e é amigo.
Meu patrono é poeta e é amigo.
Meu patrono é inventor e é amigo.

Meu patrono inventa, escreve e canta
a canção amiga.


Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.



Meu patrono é um sujeito magro
e de mim é muito distante.
Como eu, usa óculos e cultiva uma calva.
Tão perto e tão longe, mais longe que perto.

Meu patrono não me conhece e eu não o vejo.
Mas eu sinto como que me conhecesse.
Inventa e escreve palavras.
Quem sabe, um dia, eu também escreverei,
como ele, a poesia de uma vida inteira.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Resultado do Concurso Contos do Tejuco - 2.010

imagem ilustrativa:
quadro de Enio Ferreira
"Mar adentro"-



A L A M I

Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba.
alamiacademia@yahoo.com.br
http://www.alami.xpg.com.br/

5º. Concurso Contos do Tejuco
“Maria Adelina Vieira Cardoso e Gomes”

RESULTADO:
Comissão Julgadora:
Adriana Alves Moraes de Souza
Professora Mestre em Língua Portuguesa FEIT-UEMG

Ana Karollina Ramos da Silva
Licenciada em Letras FEIT-UEMG
Kênia de Souza Oliveira
Professora Especialista em Língua Portuguesa FEIT-UEMG

Conto vencedor:

“O origami” – Autor: André Telucazo Kondo – Jundiaí – SP.

Contos selecionados: Menção Honrosa.
“O todo-poderoso” – Idalina Duarte Guerra – Niterói – RJ.

“O príncipe” – Raphael de O. Reis – Juiz de Fora – MG.

“A passageira” – Valéria Mares Álvares – Belo Horizonte – MG.

“Pré-natal” – Tatiana Alves Soares Caldas – Rio de Janeiro – RJ.

“O vizinho e o Sputnik” – Roque A. Weschenfelder – Sta. Rosa - RS

“O assessor” – Maria Apparecida. S. Coquemala – Itararé – SP.

“A roupa nº. 3” – Adilar Signore – Canoas R. S.

“A menina, sua figura estranha e um mísero instante” – Thais Polidoro - Marilia – SP.

“A carta” – Whisner Fraga – Ituiutaba – MG

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Baile de amor e vida

ALAMI
Academia de Letras, Artes e Música de Ituiutaba

4º. Concurso de Resenhas " Bruno de Souza Moreira"
2.010. O objeto a ser resenhado é o conto "ANDREIA", conto premiado
no "4º. Concurso Contos do Tejuco"
O conto está disponível no site da Academia:
www.alami.xpg.com.br

Resenha Vencedora:

BAILE DE AMOR E VIDA


ANDRÉIA vem com uma introdução em que o narrador justifica sua situação antes de contar as vivências. Prossegue falando da paixão dela pelo que fazia em prol de pessoas por quem mais ninguém se interessa. Conta o episódio da proteção de um adolescente prestes a ser linchado por crime cometido. Ressalta que ela era assim quando se envolvia com causa justa. Ressalta o fato de ela ser heroína e vilão de sua história. Sempre foi adepta da militância política desde os tempos da faculdade, resumindo ter incorporado filosofias de Trotsky, ter demorado a concluir o curso, ter participado de reuniões clandestinas para incentivo a greves e manifestações de resistência.
E de repente o amor.
Agora o narrador abre um amplo parêntese para narrar o primeiro grande e fracassado amor dela. Não o fracasso do amor em si, mas do casamento com um militante, das dificuldades de moradia, do nascimento do filho que não consegue ser sustentado, da inevitável separação, do trabalho como modesta funcionária pública e do primeiro encontro entre ela e o narrador.
O conto segue relatando os encontros e desencontros iniciais, pinçados de inusitadas situações até acontecer o inolvidável: a dança.
A vida segue por muito tempo e a dança é o liame da união entre ambos. A dança percorre o mundo e a vida, cria os filhos, mantém a convivência até a chegada da velhice. Basta perguntar “Você dança” para que novas expectativas se criem.
De repente ela o deixa também e volta à antiga militância, mas em outras situações, passa um tempo até que se comunica para contar o que faz e para perguntar: “Você dança”?
Ele comemora oitenta anos, bem conservado, e quando lhe perguntam a razão ele responde que precisa estar bem para dançar quando ela voltar.
...
O conto Andréia na verdade parece uma novela, quase romance, pois retrata um episódio longo no tempo. Fica na esfera do conto pelo fato de que pode ser dimensionado como um momento de lembrança no dia do octogésimo aniversário do narrador-personagem.
O autor Bruno de Souza Moreira usa de tópicos de literalidade muito intensos e interessantes, quando insere vários paradoxos: “fazer as coisas que estavam dando certo, caminharem em sentido errado.”; abandono de parceiros levados a um evento; apoio na hora da separação. No parêntese que cria, narra a história do amor de Andréia, presumivelmente contado por ela sem, no entanto, mencionar isso. Ela se apaixona pelo primeiro amor na hora de um discurso inflamado do homem, ela se apaixona pelo narrador na hora de um discurso de bar. O primeiro amor sofre muitos percalços e acaba (aparentemente) por necessidade de criar o filho; o segundo amor vive a vida de família com vários filhos na prosperidade (sítio). Como cabe num bom conto, apenas de leve são focadas as situações econômicas, mas intensamente, as vivências emocionais. As descrições restringem-se a detalhes, um pouco mais sobre ela: principalmente a beleza e a insinuação da sensualidade; sobre o primeiro marido: um oriental, japonês; sobre o narrador-personagem: nada além da boa conservação na velhice.
A linguagem segue padrões formais, porém, é enfeitada por frases de efeito como: “pelos padrões ditados pelos objetivos comuns”; “Noites intermináveis regadas a Marx, Engels e vinho barato”; “as necessidades materiais da criança começaram a berrar”; “mas isso não matou, e sim o fortaleceu”. Infere forte sentido emocional à frase-pergunta: Você dança? Na primeira vez as indefinições se resolvem, na segunda, salva a relação em perigo, na terceira vez reanima a excitação e as lembranças enfraquecidas pela idade avançada e, na quarta, acende a esperança da volta, transformando-a em promessa impossível de ignorar. Discretamente o narrador mostra como a velhice afeta os sentidos: “O quê? Não ouvi!!” Prosopopeias e metáforas mesclam-se pelo texto afora, sem afetarem a perfeita perceptibilidade da narrativa na sua sequência temporal. A linha do tempo no conto segue a de um romance, diferindo, deste, pelo número restrito de personagens. A genialidade do autor reside também no fato de criar o triângulo amoroso pelas insinuações e sem citar se ela voltou ao seu primeiro amor (o japonês) ou se é realmente apenas a volta à militância política que pode estar confundindo os dois tópicos.
Mas a dança fica aberta. “Não para não, meu amor! Vai treinando, que um dia eu volto!” A dança dos amores, a dança dos parceiros abandonados em pleno show, a dança das lembranças, a dança dos militantes, a dança dos atributos dela, a dança que faz valsar o conto na imaginação do autor, a esperança e a promessa da volta dela, a dança que não acontece na festa do aniversário, mas que dança na mente fragilizada pela idade, não obstante a afirmação da boa forma corporal mantida.
...
ANDRÉIA é a mulher dos anos sessenta e setenta que o Brasil viveu. Ela não envelhece isso apenas ao seu amor mais estabilizado, representado pelo narrador-personagem. É uma visão masculina da força e decisão femininas capazes de suportar as agruras advindas do seguir de um ideal.
ANDRÉIA precisa voltar para dançar de novo, como dança a história, como dançam as mulheres de fibra, como dança a mãe em prol da vida e bem-estar dos filhos.
ANDRÉIA nunca envelhece porque ela fica sempre jovem, bela e sensual na memória.
ANDRÉIA sempre convence a si mesma e aos seus amores: o homem, a vida, o ideal...

Roque Aloisio Weschenfelder
Professor de Português e Literatura
Poeta, Cronista e Contista